É mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo.
Lembro de ouvir essa frase pela primeira vez numa aula da Helena. A frase começou uma sucessão de breves apocalipses na minha cabeça e a questão se tornou perene. Durante as aulas de Helena era sempre atravessado por uma miríade de pensamentos, era difícil dar conta de tudo, por algum tempo não soube que a frase era uma citação. H. tinha o hábito de dizer coisas que faziam meus olhos dar um giro completo e era como ter de aprender o mundo novamente. Minha sorte era que tinha desenvolvido uma relação de amizade com Helena e em algum momento fora da aula que ela me disse que aquilo era uma citação de Mark Fisher. Nunca me senti capaz de enfrentar Fisher, ao invés disse contei com amigos que eram mais capazes no mundo da teoria para me dizer mais de Fisher enquanto lia Haraway, Latour, Stengers, Tsing com muita dificuldade de apreender uma escrita tão — com perdão do trocadilho — inscrita no presente. Como se estivessemos vivendo um presente que se repete. Alguém havia represado o rio de Heraclito, o tempo estava mais pesado. Eles escreviam sobre este tempo mais pesado.
Acredito que foi Stengers que disse numa conversa com Latour e Haraway que vivíamos já após o fim do mundo. Este pensamento me deu certa alegria.E, foi Helena, quem deu um curso onde enfrentava a ideia de um fim que não se apressava em terminar. Este me deu certa angustia.
As leituras e aulas deram sintaxe ao sentimentos de inércia que parecia infiltrar todo mundo, o futuro parecia muito mais distante do que antes. Enquanto o mundo parecia se encolher, já procuramos outros planetas para colonizar. Este tempo é mais largo que o espaço.
Esta constante aparição de nomes nesse texto é necessária por mais que possa ser cansativa. Mas me pareceria desonesto não mostrar o vitral de vozes que compuseram a gramática dessa tempo tão veloz que parece inerte. Estas vozes e mais outras continuaram aparecendo no tecido deste texto. Como um agradecimento.
Pensar o fim do mundo não é uma tarefa nova. Mas o fim do mundo no imaginário parece se aproximar mais. Está cada vez mais difícil pensar o fim do mundo. Assistir produções distópicas agora parecem informar o que está acontecendo no mundo, imaginar consequencias imediatas de nossas ações. Propagam a ideia que chegamos no fim da festa. E chegamos no fim de uma festa, mas outra festa parece já ter sido montada; E por não gostarmos desta nova festa, não a entedemos direito pois está cheia de tecnologias avançadas que há 20 anos imaginávamos como algo que aconteceriam em centenas de anos ou mais. Acreditar nisso é equilibrar-se em algum lugar entre o otimismo e ceticismo, evitando sobre um pensamento do que poderia ser pior. O pior, afinal, me parece ser a realidade em que nos inserimos atualmente.
Nove anos atrás eu fazia minha primeira oficina com Ismar. Nessa oficina ele me apresentou a poeta Jorie Graham. Jorie é professora de Oratória e retórica na Harvard, a primeira mulher a ter este cargo, e poeta. Talvez a poeta, atualmente, mais importante que já tenha lido. O tema da aula onde ele nos apresentou a poesia de Jorie era o fim do mundo. Não encotrei nenhuma outra voz como a de Jorie Graham, ela se tornou uma obsessão. Ismar apontou que, talvez, por ser professora de retórica e oratória a forma ela parecia saber muito bem como se afastar para observar e então se colocar novamente para falar não só do que via, mas de suas sensações. Ler Jorie me causa, por vezes, uma hiperestimulação, sinto a estrutura inteira do meu rosto tentando se realojar.
Jorie consegue escrever poemas que parecem fazer o mais difícil. Olhar para o futuro próximo. Quero, ao longo do mês de Maio, me dedicar a leitura de seus poemas e algumas traduções, com a intenção de olhar mais claramente para os próximos dias e não o que será daqui há meio século. Com foco em cinco de seus livros, quatro que ela juntou em um mesmo livro em 2022, [To] The Last [Be] Human e seu livro mais recente, To 2040. Pretendo, nessa coluna, enviar notícias disso pelo mês de Maio.