É ordinário estar com coração quebrado. É um pouco medíocre sofrer realmente de amor aos 30 anos, acredita-se que nessa fase da vida não vamos sentir isso, não pela primeira vez. Mas quando se é gay, quando se é gordo, quando não se é cis, quando você não se enquandra no que esperam de você tudo se atrasa. Porque as vozes externas tentam sempre te levar para o caminho que acham que será o melhor, o caminho conhecido por eles. Mas os caminhos para quem deveria estar na margem da sociedade, mas se encontra por sorte genealógica no centro, são difusos. Não ajuda, claro, que mesmo os caminhos do centro também parecem estar ruindo. As crises são várias.
Mas cá estou aos 28 anos. Tenho apenas um relacionamento sério, um amor nas costas. Um término que aconteceu pouco antes da pandemia e por isso que acabou não sendo um término, não para mim. Seguimos nos falando, nos encontrando até o começo de 2022, e foi no último encontro quando percebi que realmente tinha amado, que realmente tinha perdido algo. O término aconteceu apenas quando escrevi um poema sobre nossa última transa. Meu primeiro poema erótico. Meu primeiro poema que chamaria de confessional se houvesse o que confessar.
A fita de cetim rosa bebê ao redor de meus pulsos, a mesma cor do brilho da glande de seu pau quando o tiro da boca. O gosto dos meus dois últimos drinks sobem novamente minha garganta. Você está dentro de mim, ao redor do meu pescoço suas duas mãos, você perguntando se está tudo bem. Estou sorrindo através da janela é possível ouvir o mar. Você está muito perto. Digo que gostaria de um colar de pérolas.
Agora me sinto bobo e me sinto um adolescente. Com sentimentos novos, com intensidades novas. Chorando por um homem que não me quer mais. Disposto a esperar por ele. Disposto a ter pretendentes sabendo que não é o que eu quero, que eu idealizo.
Me pergunto o que fazer com o resto do amor. Com aquilo que sobra, com aquilo que não é digerível, que o corpo não sabe assimilar mas também não sabe colocar para fora. E essa vontade de voltar e a vontade de seguir em frente. As duas coisas acontecem ao mesmo tempo. Querer queimar mais e ao mesmo tempo parar de queimar, talvez.
Chorei no Hortifruti e depois no carro, no banco de trás com as compras enquanto meus amigos estavam no banco da frente. Talvez sem saber que eu tava chorando, talvez disfarçando muito bem.
Mas eu não disfarço bem, longe disso. Sempre me disseram que sejá lá o que eu estou sentindo qualquer um no recinto também sente. Talvez isso seja exagero, exagero de quem me conhece bem. Talvez não. E há o cansaço do disfarce. Especialmente para quem já se disfarçou a vida inteira. Disfarçou toda uma identidade que lhe foi imposta…
Tenho tentado perder o medo de ser ridículo. De ser sempre o sentimental do grupo. De ser sempre a mais menininha do grupo. Pois é o que me resta ainda do que sempre fui, do que me reconheço. E quando perdemos tanto (e não perdi somente um amor mas perdi meu quarto, perdi minha casa, perdi minha cachorra, me despedi de minha mãe que agora mora a 1,389.9KM de mim, para além da morte de uma tia e em seguida de um primo) o que podemos é nos segurar no que ainda conhecemos de nós.
Tento me tecer novamente usando o que me resta de mim mesma. Pode ser que as linhas que me restam para tecer sejam essas de cores ridículas. Rosas demais, com algum brilho. Não o que você esperaria de alguém que nasceu como homem, que tem quase um metro e noventa de altura e faz mestrado de literatura.
E, ao fim, tenho um medo tremendo.
Se soubesse do que talvez o medo deixaria de existir. Mas sei que tenho medo. Com isso resta apenas mandar esta primeira carta de 2023.
E seguir tecendo mesmo com medo. Seguir conhecendo os pretendentes. E saber que Odisseu não retorna, que minha cama pode se mover, não é como de Penélope, pois eu mesmo não tenho palácio.