Mas a ideia de um escrito direcionado me assusta. Uma página branca a ser completamente preenchida com meus interesses, com meus pensamentos. Este punhado de espaço sempre tão descombobulado. E é certo que não tenho muito o que dizer, não por humildade, mas por preferir o silêncio.
Ao conversar com uma amiga sobre os últimos poemas que escrevi, — que talvez fechem meu próximo livro, se um dia vier — falei que o que me interessa na poesia é a possibilidade do silêncio. A escrita, para mim, vai sempre em direção ao silêncio, é de onde também ela sai. Ninguém é considerado repetitivo por repetir silêncios. É como se a ausência sempre fosse nova, como se o vácuo, o vazio tivesse sempre um novo fôlego esperando por nós. Não acredito numa escrita que dure e tampouco me interessa os que dizem escrever para tentar entrar na História, uma forma de se tornar “imortal”.
O medo da mortalidade é o medo do silêncio. Ser imortal me parece ruidoso demais, é uma vontade de evitar os mistérios que tornam estar vivo excitante. Me parece, também, talvez tolo querer escrever para História como se a própria História não fosse também escrita por alguém, como se não soubéssemos já que o que temos como Registros são também ficção. Por que a Poesia deve se curvar diante dessa História? A Poesia deveria, acredito, ser vista como História ao seu próprio mérito.
Nada nos conta mais do nosso mundo do que a arte quando temos que traduzir sensações para algo material. Uma antologia de poemas de soldados da primeira guerra mundial, a poesia de Wisława Szymborska, Ingborg Bachmann e Paul Celan me ensinaram mais sobre as guerras mundiais do que os livros da escola. E apesar de viverem situações extremas estes poetas seguiram a misturar a voz deles com a voz daqueles que os cercavam. Mesmo num tempo em que a esperança parecia intoxicada de urânio estes poetas seguiam a tentar escrever algo mais do que um Registro de suas vidas. Tentavam dar conta do silêncio que tomou conta do mundo quando era mais provável cair bombas do céu do que chuva.
Me volto agora aos poetas de guerra porque a escrita deles também nos mostram a falsidade da ideia de uma progressão histórica. Como parecemos sempre tentar repetir os mesmos erros com ainda mais assertividade. O medo do silêncio, da mortalidade tem se tornado tão grande que a poesia parece, cada vez mais, se tornar uma espécie de confirmação de existência. Não mais me parece difícil de ler poesia porque ela se afasta da linguagem corriqueira, me parece difícil de ler poesia porque ela se afasta de uma vivência comum. Os poetas parecem fechados em si mesmos, parecem não mais querer se comunicar, mas querer contar sobre si. Suas emoções, sensações e experiências, não sei se há algo de errado nisso, mas essa escrita parece ir contra o que já ouvi de muitos poetas dizendo ser o objetivo: Uma escrita que permaneça.
Uma escrita que permaneça deve estar sempre ligada ao que está na rua. Uma vez que poetas, escritores etc. Se fecham em espaços acadêmicos e discutem ideias das ruas da Europa tudo começa a se distanciar. Isto não é exclusivo da Literatura. Edward Enninful, editor chefe da Vogue Britânica, ressaltou-se na cena ao criar a revista i-D com amigos durante os anos 90, em Londres. i-D vinha de uma cultura grunge, de uma cultura anti-Fashion já que o mundo da moda parecia cada vez mais afastado do dia a dia das pessoas, a revista — segundo Enninful em Em Vogue: Anos 90 — era de jovens para jovens, algo amador. As capas não eram estampadas por supermodelos, a produção era precária, era divertido.
Grunge era tudo aquilo que não era bonito ou prístino, não existia um conjunto de regras, o grunge era ditado por aquilo que era usado nas ruas. Não demorou muito até que as revistas de moda, como Vogue, passassem a se interessar nesse movimento (que fique marcado, contra a vontade de Anna Wintour e graças a Grace Coddington). Nesta movimentação anti-Fashion encontramos Lee Alexander McQueen, um poeta à sua própria maneira, que não escondia que sua intenção era implodir o mundo da moda, destruí-lo de dentro.
A oitava coleção de McQueen, Dante, toma como inspiração a visão de Dante Aligheri do céu e do inferno. Dante, primeiro apresentada em uma igreja em Londres e depois em uma Sinagoga abandonada em Nova Iorque, consolidou o nome do artista como uma das figuras mais inovadoras da moda. Lee não se interessava por aqueles que ditavam a moda, ele não se importou ao saber que Anna Wintour, André Leon Talley e Grace Coddington não estavam conseguindo entrar em seu desfile de Nova Iorque, seu desprezo pelo establishment era tão grande que ele colocou um esqueleto na primeira fila desse seu desfile.
Lee era um completo outsider no mundo da moda. Nascido em uma família operária em Londres, seu pai era taxista e sua mãe professora de ciências sociais e tinha outros 5 irmãos. Lee diz que seu pai queria que ele fosse encanador, mas aos 16 anos ele começou a estudar costura e sua trajetória parece ser um bocado de sorte e muito talento e determinação. Esta fúria de McQueen contra o mundo da moda não conectado ao mundo das ruas, provavelmente, vinha desse lugar de ter sido sempre um outsider. Este outsider que assinava como Alexander McQueen para não ter risco de perder seu seguro-desemprego, já que suas roupas estavam saindo na imprensa, ainda que ele não ganhasse dinheiro suficiente para se manter ou bancar a próxima coleção.
Assim como designers começando sua carreira, sua marca, poetas não conseguem se manter vivos da venda de seus livros, mesmo que os façam em edição de autor. É preciso mais que isso. É preciso escrever agora contra o que chamam Literatura, contra os grandes conglomerados editoriais, os grandes festivais “Literários”. Escrever o não palatável, ir contra a lógica do Mercado. Não por teimosia, não por um ideal anti-capitalista mas porque o trabalho da arte sempre foi esse, cantar a voz ao seu vilarejo, ao seu povo, não somente a sua. O trabalho de um artista, do Poeta deveria ser mostrar ao Mercado o que Pessoas querem ler.