Escrita, eles dizem, é feito matéria solitária. Quando escrevemos, não podemos nos misturar, é preciso ficar sozinho. É preciso recuar do externo para o interno.
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Gertrude Stein tinha um Picasso em cima da sua mesa de escrita. Uma escritora cubista, eles vão dizem sobre Stein. A escrita de Stein não chega aos meus ouvidos com apenas uma voz. Apesar da companhia de Picasso, ali à sua mesa, a voz que me chega com a de Stein é a de outra mulher.
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O verbo, escrever, não é onde a escrita começa. Raramente começamos assim, de assalto, num verbo que pede movimento. Escrever, correr, escorrer.
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Talvez seja verdade que o verbo peça solidão. Escrever. Seja preciso recuar um pouco para então poder dar o salto, como fazem neste esporte que tanto me parece o ato de escrever. Salto com vara. Há algo com que podemos usar para lançar o nosso corpo, algo que pareceria frágil demais para lançar um corpo por cima de uma margem. Mas me parece menos solitária a corrida com vara do que, digamos, o salto a distância que talvez fosse uma boa analogia para a fé religiosa.
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Vejam. Este é o primeiro a começar com um verbo. O primeiro a colocar os olhos a correrem para a próxima palavra, para os próximos traços. Vejam.
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Um poema não é um verbo. Tampouco poesia deveria ser adjetivo. E um poema não é feito na solidão, pode ter sido escrito nesse espaço do recuo. Mas imagino a dificuldade de se escrever um poema quando não se está em relação com outros. O poema, estudiosos de Celan vão dizer, se faz onde a palavra falha (Ou como Carson diria, onde elas caem em silêncio) e as palavras só podem falhar, só podem cair em silêncio se utilizadas. Não podem ser os talheres de prata herdados, que não tiramos da gaveta salvo para grandes ocasiões. As palavras, antes mesmo de poderem ser categorizadas, precisam estar em contato com outras.
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Escrever, talvez, se faça sozinho. Apesar de que há quem diga que só faça isso em cafés. Mas a escrita me parece, se faz num trançado de vozes. De palavras. De sons. Todo barulho é música. Toda palavra é um barulho.
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Me recolho agora. Começo a recuar porque alguns prazos me jogam este verbo: Escreva!. Me demandam como numa musa afetada por este mundo novo em que vivemos. Neo-liberal, punitiva.
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