talvez tenha sido uma quinta ou sexta quando joana me levou para ver a exposição de gabriela fero. de assalto fui já tomado por quadros pequenos, dois trípticos, um de cada lado da porta inicial. em um dos lados me chama atenção o pequeno anjo com as mãos decepadas. o sangue escuro em contraste do azul do céu e os brancos das nuvens. do outro algo como o batman, como uma máscara. o batman olha o anjo decepado, nós seguimos para não atrapalharmos esse olhar. o pequeno querubim me dá um certo conforto em que não acredito e não olhei suficientemente o triptico que olhava o anjo.
não tento descrever a pintura de gabriela, tal esforço é um tanto bobo. não só pela minha total incapacidade de alcançar num texto o que gabriela atinge na pintura e também porque hoje é fácil acessar as imagens. olhe o instagram dela. vá na exposição solo dela na z42 caso estejam no rio, enfim. tento escrever porque não me parece suficiente dizer que a pintura de fero é forte ou potente, não basta.
há algo de inapreensível no que gabriela pinta, e a persistência dela em tentar trazer —em imagens — notícias do inapreensível é labor herakliano, ou pior, sísifico. o que importa, claro, não é se o que está no quadro de fato dá notícia ou não desse inapreensível, pois isso não sou capaz de julgar, mas esse esforço é claro na pintura. no gesto do píncel, pelo tamanho das telas, a composição que sempre parece seguir uma lógica interna e enquanto os quadros não oferecem um seguimento narrativo, é possível criar. mas recusar uma narrativa me parece ser sempre mais interessante. justsmente porque a pintura de Gabriela não é tópica, é uma pintura de uma atenção extrema ao modo em como nos relacionamos dentro desse sistema capitalista.
em quase todas as telas há uma atmosfera ritualística. seja pela composição onde os corpos parecem ir pra cima, enquanto uma galinha verde pende de cabeça pra baixo, ou um homem toca um violino com um grande gancho, uma foice. não podemos ouvir essa música, mas a ouvimos mesmo assim.
nenhum corpo sai da forma como entrou. na sala onde houve um conversa com gabriela, em um dos quadros, o braço de uma pessoa estava se tornando a cauda de um tubarão. uma pessoa está cortando essa metamorfose. não sabemos se o corte está acontecendo no começo ou no fim do processo. mas vemos o corte dessa metamorfose. e esse corte sendo feito por um outro, um terceiro... que também é parte dessa metamorfose, em epecial agora que a impede, talvez, de se completwr. os significados para tal cena proliferam e pouco interessa um individual, mas é nesse burbulhar de vozes que surge quando olhamos para seus quadros e nos permitimos olhar e nos sintonizar nos com a pesquisa de gabriela.
a exposição solo de gabriela fero (@gabrielafero) está atualmente na galeria z42
rua filinto de almeida, 42 - cosme velho