Talvez permanecer com uma mesma pergunta seja o que me faz escrever, o que me faz pesquisador. Uma certa obsessão de chegar a novos lugares, novas perguntas mas sempre com uma mesma questão que fica como um fantasma na casa. Por mais que a casa seja renovada, por mais que os moradores mudem há ainda uma sombra do que foi deixado e a cada renovação, a cada novo morador soma-se a assombração.
Entramos e saímos do amor e toda vez nos sentimos analfabetos. Nos faltam as palavras para comunicar o que sentimos para o outro. Comecei a escrever pois era como podia me comunicar melhor, falando as palavras me davam muitas rasteiras. É preciso ser veloz, é preciso de destreza. Com a escrita podemos nos sentar e ficar um pouco com aquilo que gostaríamos de dizer. Podemos ficar um pouco com as palavras, sob e sobre elas. Mas quando entramos no amor parece que todas palavras perdem ainda mais sua solidez que uma vez pareceram ter.
Acredito que isso se dê porque não podemos entrar num mesmo amor duas vezes. E também porque é difícil chegar num consenso do que uma emoção significa para cada pessoa. Anne Carson vai dizer que cada começo tem sua própria cor (e energia, ética, tonalidade), diz roxesverdeado-azulado1 ela também vai dizer que todo começo é falso. E no amor, onde se começa? Quando os dois entram em sintonia? No primeiro beijo? No primeiro olhar? Quando um sentiu amor primeiro? Como se sente amor?
Ricardo Domeneck diz que começa a fumar porque você fuma/ e eu certamente não queria viver/ mais do que você2. O que me parece um ethos bastante francês. Fumar para morrer junto ou antes do amado. Numa fala sobre seu último livro, Ana Martins Marques, fala que fumar há algo de sublime porque te faz entrar em contato com a morte e com o fogo. É clichê, certamente, fazer o que estou fazendo, tecer o cigarro, o amor, a morte e o fogo. Mas me parece que é preciso fazer isso. Eu também comecei a fumar por causa de um ex. Penso em fazer minha versão do livro de Domeneck, beques na cama, mas voltemos ao falar no amor. Ou ainda depois do amor.
Talvez o problema seja que eu, assim como Edward Thomas, não tive amor algum do qual a chuva selvavem/ não tenha dissolvido3. E assim é preciso construir ao fogo e ferro e alguma terra algo novo.
Anne Carson na introdução de sua Bakkhai
Poema 3 de cigarros na cama
Edward Thomas, Rain. No original: Like me who have no love which this wild rain/ Has not dissolved.